Fernando Pessa, que acaba de comemorar o centésimo aniversário, nunca disse nem poderia alguma vez dizer “gelataria” ou “catástrofe ‘humanitária’”. Antes pelo contrário: variadíssimas vezes veio a terreiro insurgir-se contra os tratos de polé dados à língua portuguesa pelos seus mais jovens colegas. Por isso, ele ficará para a história da rádio e da televisão em Portugal muito para além dessa longevidade raríssima num ser humano. Mesmo que esse século de vida assinale um profissionalismo exemplar e uma actividade tão excepcional que ainda até há uns dois, três anos nos deliciava na RTP com aqueles saborosos “bilhetes postais” sobre a cidade de Lisboa, celebrizados pelo irresistível remate do “E esta, hein?”. Repórter singularíssimo – com as esporas de ouro ganhas na Secção Portuguesa da BBC, em Londres, durante a II Guerra Mundial – , não foi por acaso que os seus conterrâneos o homenagearam com aquela placa comemorativa, descerrada na segunda-feira passada à porta da casa onde nasceu há cem anos: “Fernando Pessa, cultor da arte televisa e do bem falar”.