O apoio à língua portuguesa não tem merecido, entre nós, a prioridade que exigia. Há dezenas de anos que é assim. Os governos pós-25 de Abril não pareceram sequer entender a importância da sua escolha como língua nacional pelos jovens países africanos. A indiferença em que se caiu desvalorizou o extraordinário património (trata-se do sexto idioma mais falado no mundo) que ela representa.
No período vivido a seguir à descolonização, devia ter sido pela língua, pela cultura, que o novo Portugal se relacionaria com a nova África. Isso não foi, porém, entendido.
Os PALOP fizeram, entretanto, a nível interno, mais por ela em duas décadas de independência do que nós em cinco séculos. Quando deixámos África a percentagem de analfabetos rondava 97 por cento e a da falantes 25 por cento. Dez anos depois o número dos primeiros caía para 70 por cento e o dos segundos subia para 60 por cento.
À semelhança do que havia realizado o Brasil, os Cinco reapropriaram-se da língua do ex-colonizador e assumiram-na «com toda a dignidade e naturalidade, privilegiando-a, difundindo-a, dando-lhe um estatuto nobre», lembra o escritor Manuel Ferreira. Interiorizaram-na tornando-a sua. Tão sua que a modificaram, a alteraram, a adaptaram ao universo nacional e regional de cada um. Notável, a propósito, o trabalho de "crioulagem" feito, entre outros, por Luandino Vieira e Mia Couto.
Em época de afirmação, os Estados saídos das ex-colónias encontram na língua, na literatura, a grande revelação da sua identidade.
O português está a evoluir, neles, de língua oficial para língua materna, de cultura, de afirmação. A tendência dos seus povos é tornarem-se, com o tempo, bilingues: o português como idioma nacional, de criação, de unidade, de resistência, o inglês como idioma internacional, de contactos, de aberturas, de comércios.
Um «mapa cor de rosa», cor da língua portuguesa, vai emergir, antevia Agostinho da Silva, no sul da África, rasgando o império local da língua inglesa.
A sua defesa (é ela que cria a alma dos povos, lembra [Teixeira de] Pascoaes] torna-se-nos, assim, uma batalha decisiva. Para alguns, ela irá ser, no século XXI, o nosso petróleo — se a insensibilidade que ostentamos a seu respeito (veja-se a deficiência do ensino dos filhos dos emigrantes, da cooperação com África e o Brasil, das exigências informáticas) não lhe comprometer irremediavelmente o futuro.