DÚVIDAS

Rejeição contextual

Existe na teoria dos modos indicativo x. conjuntivo em português o conceito duma "rejeição contextual"? Estou procurando uma explicação pela aparência do modo indicativo em orações como as seguintes, em que o contexto da conversa é que o locutor ou escritor acredita que o conteúdo da oração subordinada é totalmente falso.

  1. [da revista Veja] É um absurdo a idéia de que defendeu o envio de voluntários russos para lutar ao lado de Saddam. (defendeu = indicativo; o locutor rejeita a possibilidade de que ele defendesse o envio)
  2. [da revista Veja] Embora eu não ache que fez isso com propósito pessoal. (fez = indicativo; o locutor rejeita a possibilidade de que ele o fizesse com propósito pessoal)
  3. [da revista Veja] E muita gente que tem a mentalidade subdesenvolvida pensa que o Brasil ainda é como eles. (é = indicativo; o locutor rejeita a possibilidade de que o Brasil seja subdesenvolvido)
  4. [de Agosto por Rubem Fonseca] Eu nunca lhe disse que não gostava de poesia. (gostava = indicativo; o locutor sim gostava e rejeita o contrário)
  5. [da revista Veja] Os resultados da CPI podem ter criado em muitos a convicção de que a corrupção esteja ligada à democracia, o que é um erro. (esteja = conjuntivo; na primeira parte da oração, o escritor apresenta os dados como sujeitos à dúvida; na última parte, pensando bem, ele corrige com "o que é um erro")


Os senhores concordam com esta explicação do modo?

Resposta

A questão que coloca é complexa e envolve não só a sintaxe dos modos, mas também a dos tempos.
Segundo a gramática normativa, quando se utiliza o modo indicativo, considera-se que o facto expresso pelo verbo é certo, real; quando se emprega o modo conjuntivo considera-se a existência (ou não) de um facto incerto, duvidoso, eventual, irreal. O conjuntivo é, por definição e de uma forma geral, o modo das orações subordinadas. Além disso, o modo conjuntivo está também presente, por exemplo, em orações subordinadas substantivas, quando a oração que lhe serve de principal exprime dúvida, vontade, sentimento, apreciação.
No que respeita aos tempos verbais, estão dependentes da localização do processo verbal no momento da sua ocorrência, quer seja em referência à pessoa que fala, quer seja em referência a outro facto em causa.
Assim:

  1. "É um absurdo a ideia de que defendeu o envio de voluntários russos para lutar ao lado de Saddam."
    Considero que o predicado da oração subordinada substantiva (defendeu) deveria ser defendera (neste contexto e na linguagem literária, igual a defendesse) defendesse ou tivesse defendido, uma vez que esta oração depende de uma expressão que exprime uma apreciação relativamente ao próprio facto em causa.
  2. "Embora eu não ache que fez isso com propósito pessoal."
    Do mesmo modo, considero, que o predicado da oração substantiva (fez) deveria ser fizesse ou tivesse feito pelas mesmas razões já expressa na frase 1.
  3. "E muita gente que tem a mentalidade subdesenvolvida pensa que o Brasil ainda é como eles."
    Penso que só o contexto em que está integrada esta frase pode permitir a conclusão que propõe.
  4. "Eu nunca lhe disse que não gostava de poesia."
    Penso que é precisamente o mesmo caso da frase anterior.
  5. "Os resultados da CPI podem ter criado em muitos a convicção de que a corrupção esteja ligada à democracia, o que é um erro."
    Nesta frase, existe, de facto, uma oposição conjuntivo/indicativo em "esteja", predicado de uma oração substantiva dependente de uma expressão de certeza, vontade, e em "é", predicado de uma oração relativa, exprimindo "esteja" uma eventualidade e "é" uma realidade.


Em conclusão, penso que a ideia de "falso" que propõe para o conteúdo das frases não depende da oposição conjuntivo/indicativo. A questão é mais complexa, depende de todo um conjunto de factores que se relacionam com a sintaxe dos modos e dos tempos, com a sintaxe dos verbos que exprimem valores específicos, e depende ainda do contexto das frases.

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