DÚVIDAS

Imprensa escrita?

Tenho assistido ao uso cada vez mais frequente da expressão «imprensa escrita», seja por jornalistas em jornais de referência (ainda hoje, 6 de Agosto, em "O Público"), seja nas televisões por políticos e afins. A imprensa é, por definição, escrita. Logo, o termo é redundante, como se depreende da consulta do dicionário da Porto Editora, quando diz que imprensa é «arte de imprimir; o conjunto dos jornais». Ou não? A língua também é feita do uso que lhe é dado pelos seus falantes. Estaremos a assistir à socialização de uma expressão incorrecta, que passaria a ser correcta por ser comummente aceite? Nesse caso, estará a escapar-me algo?

Uma das explicações para a utilização daquela expressão – até por pessoas de reconhecida formação cultural – seria a de que se estaria assim a fazer uma distinção entre órgãos de comunicação social. Referir-se-ia a «imprensa escrita» para diferenciar de outros modos de comunicação, como a televisão ou a rádio. Se é esta a explicação, parece-me muito frágil.

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Resposta

Creio que as bases deste pleonasmo surgiram nos países anglo-saxónicos, onde o jornalismo da rádio e da televisão se desenvolveu mais depressa. O dicionário Oxford define imprensa (ou A Imprensa) como «os jornais, magazines, secções noticiosas da rádio e televisão e os jornalistas que trabalham para eles»: portanto, imprensa radiofónica, imprensa televisiva e imprensa... escrita.

Temos, aqui, uma extensão de sentido capaz de legitimar o pleonasmo justamente apontado por Valdemar Cruz, jornalista com formação universitária na área da linguística. No princípio do século, contudo, quando o significado de imprensa era mais restrito do que hoje, também havia uma extensão de sentido não apenas em relação à época da composição manual com caracteres de madeira (a prensa... o prelo...) mas igualmente em relação, por exemplo, ao ano de 1852 – quando, no Dicionário Fonseca, imprensa era só tipografia. Depois, o termo que inicialmente designava a técnica de imprimir passou a abranger os indivíduos que, mercê desta tecnologia, podiam fazer notícias destinadas a muitos milhares de leitores.

Não obstante tal fundamentação, estão disponíveis outras expressões: jornalismo impresso, jornalismo radiofónico, jornalismo televisivo. Há quem diga radiojornalismo e (menos) telejornalismo.

Imprensa escrita é pleonasmo agravado. Redundante pelo motivo que Valdemar Cruz aponta (a imprensa é sempre escrita) e porque, empregando-se imprensa em sentido lato (o do dicionário Oxford), devemo-nos lembrar de que apenas se não escreve o jornalismo da rádio e televisão da transmissão directa de acontecimentos inesperados. E até o estilo destas transmissões não deixa de ser uma mistura de oralidade e dos clichés da escrita que permitem a elaboração rápida das notícias.

Admitamo-lo, contudo: imprensa (em sentido lato) e imprensa escrita – apesar de aquele termo primar hoje pela ambiguidade e este pela redundância – soam ambos melhor. São mais coloquiais. Contra a gramática de ouvido e a lei do menor esforço, em qualquer língua, a gramática de laboratório pouco pode fazer.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa