DÚVIDAS

«Beco sem saída»

No Prontuário Universal Erros corrigidos de Português (D' Silvas Filho), na página 26 vem indicado como incorrecto «Beco sem saída (redundância) uma vez que beco não tem saída».

No entanto, encontro nas diversas fontes consultadas, entre outras, nas seguintes que menciono, e que indicam coisa diversa, em meu entender:
Dicionário de Francisco Torrinha: «Beco: Rua estreita e curta por vezes sem saída.

Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo: «Beco: Rua estreita e curta às vezes sem saída.»
Dicionário Prático Ilustrado (Lello): «Beco: Rua estreita e curta às vezes sem saída.»
Dicionário Enciclopédico (Ed. Diário de Notícias): «Beco: Rua estreita e escura; viela».
Dicionário Enciclopédico (José Pedro Machado): «Beco: Rua estreita e curta.»
Dicionário Actual da Língua Portuguesa (Ed. Asa.): «Beco: Rua estreita e às vezes sem saída.»
Dicionário Universal da Língua Portuguesa (Texto Ed.): «Beco: Rua estreita e curta que, em geral, não tem saída».

Por outro lado, no Roteiro da cidade de Lisboa, provavelmente entre muitos outros becos que não detectei, encontro o Beco do Norte (na Lapa):

«Começa na Rua de Buenos Aires e vai sair na Rua de S. Domingos» e ainda o Beco do Norte (Carnide) que «começa na Rua Neves Costa e finda na Rua da Mestra».

Logo, fico com sérias dúvidas que beco sem saída seja redundância, uma vez que pelo acima visto, parece que há mesmo becos com saída (a menos que a etimologia da palavra ou outra qualquer circunstância, indique que beco é mesmo uma rua sem saída e aí, então, será a edilidade lisboeta que está errada).

Agradecendo o vosso esclarecimento, envio, entretanto, os meus cumprimentos.

Resposta

Este assunto é curioso e merece um estudo mais aprofundado.

Para ter mais certezas, troquei impressões com o Sr. Prof. Peixoto da Fonseca, também consultor de Ciberdúvidas, um linguista com profundos conhecimentos da história da língua. Ora a sua opinião é igual à minha: tradicionalmente, um beco tem sido «uma ruela sem saída». O Dr. Peixoto da Fonseca acabou mesmo por me lembrar que beco se traduz por «impasse» em francês e que no dicionário em que viu a definição de «impasse», esta significava «rua sem saída».

José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, projecto da Sociedade da Língua Portuguesa, afirma também para beco:

Dificuldade, entalação, de que não se pode sair. Lugar para onde o gado pode fugir.» Por outro lado, na edição da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira em meu poder refere-se que beco sem saída é uma expressão familiar.

Eu e o Sr. Prof. Peixoto da Fonseca continuamos a pensar que a expressão beco sem saída é uma redundância. Como tal, deve ser evitada num texto exigente, caso nos estejamos a referir a uma ruela.

O problema não se põe se a expressão for aplicada em sentido figurado. É justamente esta a nota que aparece no Dicionário da Porto Editora: «..... ; [fig.] beco sem saída embaraço de que não se pode escapar; situação de grande dificuldade.»

Mas esta minha posição não significa que vá continuar a teimar `intransigentemente´ na mesma ideia, sem nenhuma alteração. Nestes nove anos de edições, já fui mudando em muitas coisas. A língua está em evolução permanente (nos últimos tempos quase explosiva, com os novos termos dicionarizados); e vai mal quem insiste em ignorar a mudança.

Agradeço ao consulente Bernardo Matos o pormenor invulgar com que estudou este assunto. Quanto à etimologia de beco, informo-o que José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, não dá certezas absolutas.

As obras que o consulente referiu merecem-me o maior respeito. O que não me impede de pensar que se terá verificado, ao longo do tempo, uma influência da frase familiar beco sem saída no conceito que apareceu para beco. O raciocínio terá sido: se há becos sem saída, há becos com saída... Então, de «nenhuma saída» inicialmente, o conceito de beco terá evoluído para «rua estreita e curta, geralmente fechada num extremo.» (ex. Dicionário Aurélio); e, finalmente, para: «rua estreita e curta que às vezes não tem saída» (ex.: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea), e, nesta definição, pode interpretar-se que os becos até já em geral terão saída, pois só às vezes é que a não têm... Não posso dizer que, neste último conceito, a nossa edilidade esteja errada...

Um consultor de Ciberdúvidas, que igualmente respeito pelos seus excelentes conhecimentos na nossa língua, escreveu-me dizendo que este assunto é «um belo tema para barbarismos que passam a ser lei». Eu não vou tão longe. Digo unicamente que temos de nos conformar quando o uso estiver a fazer lei. A condição é que esse uso não deva escandalizar as pessoas que respeitam a história das palavras e a índole da língua...

Ao seu dispor, 

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