Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como se escrever "míni trampolim". Estamos perante
uma palavra composta por hifenização? Se sim, qual o comportamento
mediante o novo Acordo Ortográfico? Aglutina-se, como acontece com minissaia? Ou será que se trata de duas palavras sem unidade semântica? [...]

Obrigada pela atenção e parabéns pelo vosso belíssimo trabalho!

Resposta:

Deve escrever minitrapolim, grafia em que se aglutinam os dois constituintes, atendendo a que mini é incluído entre os falsos prefixos na Base XVI do Acordo Ortográfico (AO), os quais são tratados como os prefixos. E se se fala em prefixos (ou de falsos prefixos, que vem dar ao mesmo), o caso de minitrampolim é encarado pelo AO como palavra derivada, e não como palavra composta. Não obstante, reconheça-se que há realmente divergências entre dicionários quanto à grafia a adotar com certos elementos de formação de palavras, não por ambiguidade do AO, mas, sim, porque, entre gramáticos, não há consenso quanto a tais elementos, classificados ora como prefixos ora como elementos de composição.

 

Pergunta:

Estou a ler um livro sobre os indefinidos em espanhol que traduz a expressão «otra cerveza» (no sentido de pedir «mais uma») por «outra cerveja». Penso que os usos do indefinido outro/a/os/as não são totalmente equivalentes no português e no espanhol. Não tenho ouvido nenhum português a pedir «outra cerveja» e, sim, «mais uma» (acho que a primeira expressão, no português, implicaria estar a pedir uma cerveja diferente, doutro tipo). É correto dizer «outra cerveja» ou «uma outra cerveja» no sentido de «mais uma»?

Muito obrigada.

Resposta:

Para pedir uma nova cerveja, pode dizer:

«Outra cerveja, se faz favor»;

«Mais uma cerveja»;

«Mais outra cerveja».

Também não é impossível «uma outra cerveja», mas, neste caso, há ambiguidade, porque a expressão pode significar «uma cerveja de marca diferente». No entanto, a expressão enfática «mais uma outra cerveja» não mostra essa ambiguidade e é equivalente aos exemplos acima apresentados. Refira-se que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (na Infopédia) regista outro com o significado de «mais um», exemplificando com a frase «contratou outro funcionário».

Pergunta:

Na frase «O João suspeita do sócio», «... do sócio» é , segundo a nova terminologia linguística [Dicionário Terminológico], um complemento oblíquo. E segundo a gramática antiga? Como é que podemos classificar este elemento da oração?

Resposta:

Em Portugal, na chamada "gramática antiga", isto é, de acordo com a Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, dizia-se que se tratava de um complemento circunstancial, havendo depois alguma arbitrariedade na identificação do seu valor semântico.

Pergunta:

Por que na língua portuguesa não existe um padrão para muitos dos nomes de cidades e dos países do mundo. Por exemplo Botswana/Botsuana, New York/Nova York/Nova Iorque, Zimbabwe/Zimbábue/Zimbabué, Moscou/Moscovo, etc.

Quando escrevo um artigo posso aleatoriamente escolher a ortografia com que me sinto mais confortável?

Resposta:

A escolha não é aleatória, mas tem muito que ver com o conhecimento que se tem do uso dessas formas – e por isso é mesmo necessário estar em contacto com a cultura ou com comunicação social dos países de língua portuguesa.

Em Portugal, usa-se Nova Iorque e Moscovo; já quanto a Botswana e Zimbabwe, grafias com uso internacional, há formas portuguesas, Zimbábue ou Zimbabué e Botsuana, mas estas ainda não alcançaram uso generalizado. Refira-se, aliás, que o Código de Redação do português para as instituições europeias fixa como norma as formas Botsuana e Zimbabué (nomes oficiais: República do Botsuana e República do Zimbabué). No Brasil, usa-se Moscou e também se emprega Nova Iorque; além disso, existem as formas Zimbábue e Botsuana, usadas nos jornais, não sistematicamente. É de supor que, por enquanto, outros países de língua portuguesa sigam as formas usadas em Portugal, à semelhança do que ocorria com a ortografia (até 2009, o Acordo Ortográfico de 1945 vigorava em Portugal e nos países africanos lusófonos), mas não foi possível reunir dados fiáveis para esta resposta.

Em suma, o uso não é feito ao acaso a respeito de Nova Iorque e Moscovo/Moscou. Há maior oscilação com as formas Zimbabwe e Botswana: em Portugal, recorre-se muitas vezes às formas internacionais, enquanto, no Brasil, certa imprensa usa formas já adaptadas à ortografia do português. 

Pergunta:

A propósito das conjunções pois e porque, gostaria de saber como consideram a resposta a esta questão:

«Na frase de Mia Couto: "E digo ensinar porque existe uma diferença sensível entre ensinar e dar aulas", a conjunção porque pode ser substituída por pois.

«A afirmação é V (verdadeira) ou F (falsa)? Justifique.»

Pessoalmente, considero-a verdadeira, pese embora o uso indevido do porque com sentido explicativo.

Gostava de saber a vossa opinião.

Resposta:

De acordo com C. Cunha e L. Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1986), as conjunções coordenativas explicativas «ligam duas orações, a segunda das quais justifica a ideia contida na primeira». Os autores inserem nesta categoria as conjunções que, porque, pois e porquanto. Assim, em meu entender, a resposta à questão que coloca é verdadeira.