Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem, por favor, como se definem articulação e integração curricular (sendo que parecem sinónimos), e como se integram.

Obrigada.

Resposta:

1. Articulação: junção ou união de elementos num sistema.

1.1. Articulação curricular:

«A articulação curricular deve promover a cooperação entre os docentes do agrupamento de escolas, procurando adequar o currículo às necessidades e aos interesses específicos dos alunos.

As estruturas que asseguram a articulação curricular são:

a) Conselho de docentes da educação pré-escolar;

b) Conselho de docentes do 1.º ciclo;

c) Departamentos curriculares;

d) Conselhos de disciplina.»

(Decreto Regulamentar n.º 10/99 de 21 de Julho)

2. Integração: inclusão de novos elementos no sistema.

2.2. Contextos em que se pode falar de integração curricular:

Integração curricular da Internet na sala de aula 

Exemplos de Integração curricular das TIC

3. A articulação curricular está ao nível da a{#c|}tivação do currículo no terreno; a integração curricular faz parte da problematização da noção de currículo e da ponderação da pertinência dos conhecimentos e competências por ele visadas.

Pergunta:

Gostaria de saber a opinião de peritos sobre a seguinte questão:

É correcto dizer, quando referido a um grupo (o mesmo grau de formalidade nos dois casos; amigos íntimos, por exemplo):

«Vós quereis...»

«Vós ides...»

«Vós tendes...»

ou

«Vocês querem...»

«Vocês vão...»

«Vocês têm...»

Tenho para mim que a segunda opção (o tratamento por você/vocês e utilização da terceira pessoa do plural) e o desaparecimento da segunda pessoa do plural (esta é ainda, mas ironicamente, ensinada na escola básica) é uma corruptela da língua induzida pela influência brasileira. Terei razão?

Podemos ter o caso anedótico de uma professora ensinar «Nós comemos, Vós comeis, Eles comem» e rematar com «Perceberam?» em vez de «Percebestes?»?

Obrigado.

Resposta:

1. Em português europeu, as formas pronominais e a flexão verbal de 2.ª pessoa do plural estão vivas, nas regiões do Minho, do Douro e da Beira Interior, em contextos de conversação entre pares. Nesta medida é lícito, em Portugal, ensinar como vem nas gramáticas — vou, vais, vai, vamos, ides, vão com a ressalva de que as formas de segunda pessoa plural estão a cair em desuso. Nesta medida, não há anedotismo, mas utilidade no ensino destas formas, dado que os alunos (pelo menos os que seguem Humanidades) terão de ler textos históricos, onde a conjugação na 2.ª pessoa do plural é frequente.

2. No Brasil, a situação é diferente: vós tem já um estatuto de forma arcaizante. Reproduzo uma seq{#u|ü}ência de uma crónica de Sírio Possenti a propósito:

«Falo de plantas e de dinossauros e outros bichos, mas penso mesmo é em gramáticas e colunas sobre língua. Também nelas há velhos dinossauros. Por exemplo, todas, sem exeção, nos dizem que os pronomes pessoais do caso reto são "eu, tu ele/a, nós, vós, eles/as". Isto mesmo. Nenhuma deixa de listar o dinossauro "vós". Ora, este velho e desaparecido pronome — desaparecido no uso — deveria constar, evidentemente, em um estudo da história da língua portuguesa, mas não em uma descrição gramatical sincrônica ou em uma gramática normativa, ao lado de outros de uso notório e evidente. Por que não fazemos como os ingleses, em cujas gramáticas já não se encontra o velho "thou" (...)?» (Possenti, Sírio 2000 — Mal Comportadas Línguas, Curitiba, Criar Edições: 49).

3. Avaliar a ado{#p|}ção do você em detrimento do vós como uma corruptela é proje{#c|}tar esta resposta no seio da querela entre descritivistas (que vêem nas alterações de usos o motor da evolução das línguas) e os normativistas que fazem coro com Camões: «e na língua, na qual quando imagina,/com pouca corrupção crê que é a Latina» (Os Lusíadas, Canto...

Pergunta:

É aceitável a mistura de tempos verbais em relatos históricos? Isto pode ocorrer no mesmo parágrafo? Ex.: «Para D. Pedro I, importava a independência do Brasil. Assim a corte manda vir de Portugal uma comitiva...»

A dúvida é: a mistura pode ser tão próxima assim? Pois sei que a mistura ocorre. Além disso, é só com o pretérito imperfeito que combina o presente histórico?

Obrigada.

Resposta:

1. Em nenhum tipo, género ou subgénero textual é aceitável a mistura aleatória de tempos verbais.

2. O emprego do presente histórico remonta à retórica clássica e é visado na gramática tradicional, com a seguinte descrição: o presente histórico tem a função de atribuir vivacidade, presentificação, visualismo, dramatização, imediatismo presencial às acções narradas, nos momentos do discurso particularmente comoventes ou fulcrais para o desenvolvimento da trama narrativa. Estes valores decorrem do carácter acidental ou "impróprio" da activação do presente num contexto que recorre maioritariamente a formas do passado.

Não há nenhum constrangimento da ordem da proximidade/contiguidade no que respeita à transição tempos da série do passado — presente histórico. Há, talvez, um constrangimento quanto ao número de transições: o recurso constante ao presente histórico neutraliza os valores acima enumerados. Além disso, o presente histórico só é reconhecível como tal quando, em contextos de que faz parte, apareçam tempos do passado ou datas (Fátima Oliveira e Ana Cristina Macário Lopes, 1995, "Tense and aspect in portuguese", in R. Thieroff (Org.) — Tense Systems in European Languages II, Tubingen, Max Niemeyer Verlag: 105). De referir ainda que deve estar presente uma «certa sequência de situações». (Fátima Oliveira, 2003 — Gramática da Língua Portuguesa, Caminho: 155)

3. A contiguidade do presente histórico com o pretérito perfeito, o pretérito mais-que-perfeito ou o imperfeito pode, portanto, ser imediata:

 

«Já não sei de que falávamos, nem aliás importa, quando me batem no ombro...» (José Manuel Barata-Feyo, Público, 8/7/2001)
«Tinha-me afastado uns passos pa...

Pergunta:

Gostaria de saber mais sobre referência. O que é referência no processo de predicação verbal?

Resposta:

1. Referência, em termos globais, diz respeito à capacidade de qualquer sistema simbólico — como uma língua natural — fazer corresponder expressões desse sistema a objectos de um universo exterior ao sistema. A referência de uma palavra ou expressão em português resulta do significado dessa expressão e das condições/situações em que o enunciado é proferido.

2. Predicação verbal é a predicação que tem um verbo como predicador (à parte do verbo podemos ter um nome, adjectivo, preposição ou advérbio como predicadores ou palavras predicativas).

3. A referência da predicação verbal corresponde ao significado dos elementos constitutivos dessa predicação aliado às coordenadas enunciativas — locutor-alocutário, tempo, espaço — a que se junta também a consideração do discurso anterior e do universo de discurso.

Pergunta:

Qual a definição correcta do conceito de par mínimo? Que tipo de exemplos temos?

Resposta:

O método dos pares mínimos permite apurar com rigor quais os sons de uma língua que pertencem ao seu sistema fonológico:

Agregando, aos pares, palavras isoladas que apenas num som se distinguem e que têm significado diferente, faz-se o levantamento de todas as vogais e de todas as consoantes da língua (em posição inicial, medial ou final):

mata  bata

saco  seco

ponto  ponte