Pergunta:
Gostaria de saber a opinião de peritos sobre a seguinte questão:
É correcto dizer, quando referido a um grupo (o mesmo grau de formalidade nos dois casos; amigos íntimos, por exemplo):
«Vós quereis...»
«Vós ides...»
«Vós tendes...»
ou
«Vocês querem...»
«Vocês vão...»
«Vocês têm...»
Tenho para mim que a segunda opção (o tratamento por você/vocês e utilização da terceira pessoa do plural) e o desaparecimento da segunda pessoa do plural (esta é ainda, mas ironicamente, ensinada na escola básica) é uma corruptela da língua induzida pela influência brasileira. Terei razão?
Podemos ter o caso anedótico de uma professora ensinar «Nós comemos, Vós comeis, Eles comem» e rematar com «Perceberam?» em vez de «Percebestes?»?
Obrigado.
Resposta:
1. Em português europeu, as formas pronominais e a flexão verbal de 2.ª pessoa do plural estão vivas, nas regiões do Minho, do Douro e da Beira Interior, em contextos de conversação entre pares. Nesta medida é lícito, em Portugal, ensinar como vem nas gramáticas — vou, vais, vai, vamos, ides, vão com a ressalva de que as formas de segunda pessoa plural estão a cair em desuso. Nesta medida, não há anedotismo, mas utilidade no ensino destas formas, dado que os alunos (pelo menos os que seguem Humanidades) terão de ler textos históricos, onde a conjugação na 2.ª pessoa do plural é frequente.
2. No Brasil, a situação é diferente: vós tem já um estatuto de forma arcaizante. Reproduzo uma seq{#u|ü}ência de uma crónica de Sírio Possenti a propósito:
«Falo de plantas e de dinossauros e outros bichos, mas penso mesmo é em gramáticas e colunas sobre língua. Também nelas há velhos dinossauros. Por exemplo, todas, sem exeção, nos dizem que os pronomes pessoais do caso reto são "eu, tu ele/a, nós, vós, eles/as". Isto mesmo. Nenhuma deixa de listar o dinossauro "vós". Ora, este velho e desaparecido pronome — desaparecido no uso — deveria constar, evidentemente, em um estudo da história da língua portuguesa, mas não em uma descrição gramatical sincrônica ou em uma gramática normativa, ao lado de outros de uso notório e evidente. Por que não fazemos como os ingleses, em cujas gramáticas já não se encontra o velho "thou" (...)?» (Possenti, Sírio 2000 — Mal Comportadas Línguas, Curitiba, Criar Edições: 49).
3. Avaliar a ado{#p|}ção do você em detrimento do vós como uma corruptela é proje{#c|}tar esta resposta no seio da querela entre descritivistas (que vêem nas alterações de usos o motor da evolução das línguas) e os normativistas que fazem coro com Camões: «e na língua, na qual quando imagina,/com pouca corrupção crê que é a Latina» (Os Lusíadas, Canto...