«Finalmente saíram os resultados do Inaf 2024, divulgados dois dias atrás. Como uma bigorna da realidade, os dados escancaram o grau de alfabetismo dos cidadãos brasileiros.»
Desde a década de 1970 até hoje (2025), reconhecidos linguistas brasileiros – Ataliba de Castilho, Mário Perini, Dante Lucchesi, Sírio Possenti, Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco e tantos outros formados por estes – consideram instantaneamente "cultos" os indivíduos que possuem um diploma de nível superior.
(Mas em que faculdade conseguiram seu diploma? Fizeram on-line ou presencial? Durou quantos anos o curso? Não importa.)
Mais do que isso: para tais linguistas, a fala e a escrita desses diplomados é que formam a verdadeira "norma culta" da língua portuguesa.
Mas são verdadeiramente cultos? Sua fala e sua escrita revelam um elevado grau de cultura e letramento? Veremos agora.
Finalmente saíram os resultados do Inaf 2024, divulgados dois dias atrás. Como uma bigorna da realidade, os dados escancaram o grau de alfabetismo dos cidadãos brasileiros. Acompanhe...
Existem 5 níveis: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente.
1. O analfabeto: até reconhece letras e números, mas não compreende sequer textos simples.
2. O de nível rudimentar: até consegue localizar informações explícitas em textos muito curtos e familiares, mas tem grande dificuldade para interpretar, fazer inferências ou lidar com textos fora do padrão conhecido.
Esses dois primeiros constituem o que se chama de "analfabeto funcional".
3. O de nível elementar: até lê textos de extensão média, compreendendo informações diretas e fazendo pequenas inferências; porém, tem muita dificuldade para interpretar textos mais densos ou que exigem um raciocínio mais abstrato.
4. O de nível intermediário: consegue compreender e interpretar textos mais complexos, identificar opiniões, relações de causa e consequência, e realizar inferências; não obstante, pode ter dificuldade com múltiplas camadas de sentido, linguagem técnica ou textos literários densos.
5. O de nível proficiente: tem domínio pleno da leitura crítica, argumentativa e reflexiva, sem limitação alguma.
Dito isso, vamos aos dados daqueles com ensino SUPERIOR?
12% dos brasileiros com ensino superior são considerados analfabetos funcionais.
27% dos indivíduos com ensino superior possuem alfabetismo elementar.
61% dos indivíduos com ensino superior alcançaram os níveis intermediário (38%) e proficiente (23%) de alfabetismo funcional.
Somente 23% dos que têm ensino superior são leitores proficientes, ou seja, 77% dos diplomados NÃO são proficientes em leitura.
Repita comigo: 77% dos diplomados NÃO são proficientes em leitura.
Detalhe: o Inaf só analisa a leitura e a compreensão, mas não a escrita. Imagine a qualidade dos textos escritos desses formados...
Como, então, sustentar que a fala e a escrita desses indivíduos devam definir a "norma culta" da língua portuguesa? Como tomar por fonte da "variedade culta" a produção linguística de pessoas que não dominam sequer as competências básicas de leitura proficiente e escrita de qualidade? Isso não é descrição científica: é a naturalização do rebaixamento intelectual.
Esses dados revelam uma fragilidade gravíssima na formação universitária, especialmente no desenvolvimento da leitura crítica, interpretação e argumentação – habilidades fundamentais em qualquer área do saber. As nossas universidades se tornaram fábricas de diplomados despreparados. Os dados do Inaf 2024 são devastadores: se 77% dos diplomados não são proficientes em leitura, então é completamente ilógico tomar a linguagem deles como modelo de norma culta.
Vale sempre relembrar o que disse Darcy Ribeiro: "A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto".
Para finalizar, dois pontos:
1. Todos aqueles que estão no ambiente acadêmico devem, com honestidade intelectual, questionar os critérios dos linguistas brasileiros supramencionados.
2. Estaremos vivos para ver os linguistas brasileiros que consideram "norma culta" a produção linguística de 77% abaixo do nível proficiente de leitura fazerem um MEA CULPA e dizerem que os seus critérios de "pessoa culta" são insustentáveis e flagrantemente errados?
Referências:
"Analfabetismo funcional não apresenta melhora e alcança 29% dos brasileiros, mesmo patamar de 2018, aponta novo levantamento do Inaf ", Unicef, 05/05/2025
"Pela primeira vez, Indicador de Alfabetismo Funcional inclui dados sobre o alfabetismo no contexto digital", Fundação Roberto Marinho, 05/05/2025
"Pesquisa aponta que 29% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Saiba o que é analfabetismo funcional", UOL, 05/05/2025
"Brasil estagna e tem 29% de analfabetos funcionais; pandemia piorou quadro", UOL, 05/05/2025
"Brasil tem 29% de analfabetos funcionais e número segue igual há pelo menos seis anos", Globo, 05/05/2025
Apontamento que o autor publicou em 7 de maio de 2025 no seu mural de Facebook e aqui divulgado com a devida vénia.