« (...) Eles alegam que "o mesmo" não pode ocupar o lugar de um pronome reto ou oblíquo tônico. (...)»
«Antes de entrar no elevador, verifique se "o mesmo" encontra-se parado neste andar.»
Não é exagero: 99,99% dos gramáticos e (pasmem!) linguistas brasileiros condenam o uso acima, dizendo que tal expressão não faz parte da norma culta – até aqueles estudiosos mais liberais, como Marcos Bagno, consideram «o mesmo» uma hipercorreção linguística, ou seja, um uso que reflete o ato de corrigir erradamente o que está certo.
[Entenda, neste contexto, os conceitos de "certo" e "errado" assim, respectivamente: «dentro da norma-padrão» (certo) e «fora da norma-padrão» (errado).]
Para esses estudiosos, estão fora da norma-padrão frases como «Suas atitudes foram corretas, mas nem todos concordaram com as mesmas» ou «Os documentos eram importantes, por isso os mesmos foram lidos com atenção».
Dizem eles que devem ser assim corrigidas: «Suas atitudes foram corretas, mas nem todos concordaram com elas» ou «Os documentos eram importantes, por isso eles foram lidos com atenção».
Eles alegam que «o mesmo» não pode ocupar o lugar de um pronome reto ou oblíquo tônico, pois isso é uma hipercorreção, isto é, um uso que tenta soar mais bonito e elegante, mas que não espelha a norma culta.
Afinal, será que realmente está errado esse uso de «o mesmo»?
Eis alguns estudiosos que o condenam:
– Marcos Bagno
– Napoleão Mendes de Almeida
– Luiz Antonio Sacconi
– José Maria da Costa
– Edmundo Dantes Nascimento
– Geraldo Amaral Arruda
– Domingos Paschoal Cegalla
– Aires da Mata Machado Filho
– Cláudio Moreno
– Maria Tereza de Queiroz Piacentini
No entanto, existe um gramático que pensa diferente de todos: Evanildo Bechara. Assim diz o mestre:
«Alguns estudiosos, por mera escolha pessoal, têm-se insurgido contra o emprego anafórico do demonstrativo mesmo, substantivado pelo artigo, precedido ou não de preposição, para referir-se a palavra ou declaração expressa anteriormente. Não apresentam, entretanto, as razões da crítica:
"Os diretores presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra «os mesmos», e contra outros..." [Machado de Assis, exemplo do gramático Maximino Maciel].(...)
Para estes críticos, o mesmo, etc., deve ser substituído por ele, etc.»
Mas, afinal de contas, quem está certo e quem está errado? Será que Bechara, isolado nessa, está certo?
Bem... para batermos o martelo, precisamos usar o critério definidor bimilenar de norma culta: os usos linguísticos empregados pelos melhores escritores do idioma, os indivíduos mais cultos da sociedade.
Será que estes usam «o mesmo» anafórico em seus textos?
A resposta é... SIM! Basta pesquisar no site Corpus do Português.
Eis alguns escritores que fizeram, sem preciosismo algum, bom uso dessa expressão condenada:
– Machado de Assis
– Lima Barreto
– Fialho de Almeida
– Bernardo Guimarães
– Júlio Dinis
– José de Alencar
– Almeida Garrett
– Euclides da Cunha
– João do Rio
– Camilo Castelo Branco
Etc.
Além disso, ainda que usemos os critérios da maioria dos linguistas brasileiros contemporâneos, que entendem ser a linguagem jornalística um reflexo da norma culta, teremos um arsenal de exemplos com essa expressão. Sim, a linguagem jornalística brasileira também usa esse «o mesmo».
Logo, o que faz alguns gramáticos e linguistas aplicarem tal condenação, chamando de hipercorreção o que não é?
Boa pergunta.
De todo modo, parece que o estrago está feito. O estigma sobre ele é tão grande e vem de todos os lados que o mesmo nem consegue mais se defender.
[Ah, antes que eu me esqueça: existem casos em que o uso de «o mesmo» é corretíssimo. Mas isso só se dá quando equivale a «a mesma coisa» ou «a mesma pessoa»":
– Ele não sabe nada de Direito Administrativo, e o mesmo (a mesma coisa) se dá com ela.
– João nunca muda, é sempre o mesmo (a mesma pessoa), em qualquer situação.]
P.S.— Curiosamente, em Portugal, o uso de «o mesmo» (condenado no Brasil) é correto e corrente em quaisquer exemplos vistos acima. Essa jabuticaba é muito nossa.
N. E. – A jabuticaba ou jaboticaba é uma fruta característica do Brasil, e o seu nome é usado metaforicamente para referir alguma coisa que só existe ou acontece no referido país, (cf. "Jabuticaba", Wikipédia).
Texto publicado em 27 de novembro de 2024 no mural do gramático brasileiro Fernando Pestana no Facebook e aqui transcrito com a devida vénia. A imagem provém da mesma fonte.