A utilização do inglês não deve ser proibida, mas também não deve ser imposta
Uma das vozes mais prestigiadas do mundo universitário e da vida cívica do país — o prof. Jorge Miranda — veio criticar nestas páginas, em termos veementes, a proposta de utilização da língua inglesa em cursos leccionados em universidades portuguesas. É esse escrito que está na origem das singelas notas que se seguem — onde, esclareço já, debalde se procurará uma oposição pari passu aos argumentos do meu mestre. Move-me apenas o objectivo pragmático de explicar o que conduziu a Faculdade de Direito da Universidade Católica a criar na sua Escola de Lisboa um curso de LL.M. leccionado em inglês (Internacional Trade and Business Law), a criar um mestrado leccionado em inglês (Global Legal Studies) e a proporcionar aos seus alunos da licenciatura um conjunto alargado de cadeiras e seminários leccionados também em inglês. Tudo em pleno funcionamento e com estudantes de todo o mundo, falando ou não o português.
Note-se, antes do mais, que estamos a falar de uma faculdade de Direito. O ponto é relevante, porque mesmo aqueles que se habituaram a ver nestas escolas os redutos do conservadorismo académico parecem frequentemente resignar-se às alegadas especificidades que decorreriam da segmentação nacional própria da generalidade dos ordenamentos jurídicos. Ora, a verdade é que nada justifica uma indulgência excessiva à conta das ditas especificidades.
Decerto que o tronco curricular da licenciatura em Direito é e continuará a ser formado por cadeiras onde se labora sobre o ordenamento jurídico nacional e tendo o português como a língua de trabalho. Mas mesmo na licenciatura sobra espaço para disciplinas leccionadas em inglês — aquelas cujo objecto carece de conexões significativas com o Direito português. Esse espaço potencial vai depois aumentar de forma significativa no segundo ciclo. Existe aí lugar para mestrados centrados no ordenamento jurídico nacional e que não justificam a utilização do inglês; mas existe seguramente cada vez mais lugar para mestrados centrados em temáticas internacionais ou transnacionais, em que a produção científica portuguesa é reduzida e o inglês se assume espontaneamente como a língua de trabalho por excelência (assim sucede, v. g., com vastas áreas do direito internacional público, do direito do comércio internacional, do direito dos mercados financeiros, do direito da energia, do direito ambiental ou do direito da propriedade intelectual). E outro tanto poderia dizer-se a propósito dos cursos de pós-graduação, especialmente os cursos de LL.M. (correspondentes, no Direito, aos cursos de MBA).
O inglês pode, pois, ser largamente utilizado (também) nos cursos de Direito; mas deverá ser aí utilizado? Quer dizer, existem reais vantagens na sua utilização? Do argumentário existente, respigo apenas três pontos, para não alongar o discurso:
a) A globalização das trocas comerciais e dos fluxos financeiros equivale à globalização das relações jurídicas (e dos litígios). A partir de certa dimensão, os negócios são feitos em inglês e com recurso a regimes e institutos jurídicos de direito transnacional, com forte influência anglo-saxónica. Os juristas de um país pequeno e aberto ao exterior, como o nosso, não podem ignorar esta realidade. Garanto que as sociedades de advogados não a ignoram quando recrutam os seus profissionais.
b) Tal como o latim em séculos passados, a adopção generalizada de uma língua franca nos meios académicos permite hoje a circulação globalizada do saber e daqueles que o transmitem. Na minha escola, a utilização do inglês tem proporcionado aos alunos disciplinas leccionadas por alguns nomes cimeiros da doutrina jurídica mundial (Hopt, Boyle, Weiler, Fenge, Nimmer, Bussani, Dalhuisen, entre outros), que nunca viriam para Portugal noutras circunstâncias.
c) Atrás dos melhores professores vêm os melhores alunos. Combater a fuga de cérebros e a perda de competitividade exige das nossas escolas que retenham os estudantes mais promissores e que atraiam os estrangeiros. Insistir no português como língua exclusiva tem os resultados óbvios: muitos dos melhores alunos vão completar a formação no estrangeiro e, em compensação, do estrangeiro apenas se captam alguns estudantes lusófonos.
Uma nota final. A utilização do inglês não deve ser proibida, mas também não deve ser imposta. Deixemos as faculdades escolher a língua que utilizam nos diversos ciclos. E depois deixemos os alunos escolher livremente a faculdade em que querem iniciar ou prosseguir os seus estudos.
*in "Público", de 14 de Dezembro de 2007