Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Venho rogar a V. Exas. o favor de me informarem dos termos em inglês, que formaram o acrónimo TVDE.

 

Obrigado.

Resposta:

Não se confirma que se trate de sigla de expressão inglesa.

Na verdade, em Portugal, TVDE constitui uma sigla que corresponde à expressão «transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica», conforme se lê na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto. Observe-se que é uma sigla sui generis, pois parece subentender não a expressão que a lei apresenta por extenso – «transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica» –, mas, sim, «transporte em veículo descaracterizado eletronicamente».

Esta sigla destina-se a ser exibida num dístico que se afixa no carro ao serviço, em lugar visível, e «identifica todos os veículos que trabalham para plataformas de transporte privado, como a Uber, a CabifyTaxify ou a Kapten»1. ("O que significa o dístico TVDE que circula em alguns carros?", Idealista/News, 19/11/2019).

 

1 A Cabify deixou de operar em Portugal a partir de 30/11/2019. A Taxify passou a chamar-se Bolt em março de 2019. A Kapten faz p...

Pergunta:

Na frase «Os amigos ajudam-se um ao outro», qual o objeto direto?

Qual o objeto indireto?

Qual a função sintática do vocábulo se?

Obrigado.

Resposta:

O pronome se é recíproco, com a função de objeto direto (cf. «ajudar alguém», que configura um verbo transitivo direto).

A expressão «um ao outro» serve de reforço ao pronome recíproco e não envolve um objeto indireto. Não se faz a sua análise interna.

Sobre as construções pronominais de reciprocidade, dizem os gramáticos Celso Cunha e Lindley (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lexikon Editora, 2016, p. 294):

«3. Como são idênticas as formas do pronome recíproco e do reflexivo, pode haver ambiguidade com um sujeito plural. Por exemplo, uma frase como a seguinte:

Joaquim e Pedro enganaram-se.

pode significar que o grupo formado por Joaquim e Pedro cometeu o engano, ou que Joaquim enganou Pedro e este a Joaquim. Costuma-se remover a dúvida fazendo-se acompanhar tais pronomes de expressões reforçativas especiais. Assim: [...]

b) para marcar expressamente a ação recíproca, junta-se-lhes, ou uma expressão pronominal, como "um ao outro", "uns aos outros", "entre si":

Joaquim e Pedro enganaram-se entre si.

Joaquim e Pedro enganaram-se um ao outro.

ou um advérbio como reciprocamente, mutuamente:

Joaquim e Pedro enganaram-se mutuamente.»

Pergunta:

É mais correto o uso de «programa de mentoria» ou «programa de mentorado»?

E quanto à pessoa que beneficia de um programa desse género, deve designar-se por mentorado ou mentorando?

 

Resposta:

Os dois termos estão em uso e, do ponto de vista linguístico, estão ambos bem formados. No entanto, é mentoria que encontra registo nos dicionários consultados, no sentido genérico de «orientação»:

«cargo ou função de mentor» (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – DACL)

«1. Cargo ou função de mentor. 2. Relação entre o mentor e a pessoa guiada ou aconselhada por ele.» (Dicionário Priberam)

«1. sistema em que uma pessoa mais velha e experiente (mentor) orienta e encaminha outra mais jovem e com menos experiência; 2. conjunto das funções exercidas por um mentor; 3. [por extensão] orientação; aconselhamento» (Infopédia)

1. Cargo ou função de mentor.

2. Relação entre

Pergunta:

Professor Pasquale insiste que a loja de doces é doçaria no idioma português!

Mas por que não será "doceria", já que a palavra doce não tem ç (cê cedilha), nem a de verdade?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

O sufixo tradicional é -aria mesmo quando se associa a substantivos terminados em -e.

Por exemplo, de peixe vem peixaria. Do mesmo modo se obtém doçaria, de doce. O ç é necessário para manter o som [s] antes de a (caso contrário, ler-se-ia "do[k]aria").

Contudo, dicionários brasileiros e portugueses registam a variante doceria, ao que parece, típica do Brasil, país onde é mais corrente o sufixo -eria em formas como bilheteria, charcuteria, lavanderia, loteria ou sorveteria (cf. Dicionário Houaiss, Michaelisdicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Priberam).

Pergunta:

Sobre Beersheva, temos uma versão portuguesa estabilizada do nome desta cidade no sul de Israel?

Obrigado

Resposta:

Existe Bersabé, forma registada no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçaves, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e na Infopédia (se bem que, neste caso, a forma Bersabé figure não no dicionário de toponímia, mas no dicionário bilingue inglês-português).

Note-se, porém, que no Brasil se regista a forma Bersabeia (ver Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa).