«Pergunta-se a alguém se gosta de viver em Portugal e ele responde “nem por isso”. Não é bem “não”. É “não especialmente” (…) É a alforreca das respostas negativas». Crónica do autor transcrita, com a devida vénia, do jornal "Público" de 21/07/2014.
Ainda acalento a esperança de vir a perceber a língua portuguesa mas, com cada ano que passa, a esperança queixa-se que está fria.
É coisa que me preocupe? Nem por isso. «Nem por isso»: toda a gente sabe o que quer dizer mas qual é o "isso" por que ocorre o "nem"?
Se eu desafiasse alguém a comer exclusivamente gelado de caracol e mioleira durante o resto do Verão por quinhentos euros por dia e essa pessoa não estivesse nada para aí virada e vomitasse só de ouvir o convite, compreenderia que me respondesse "nem por isso". O significado seria «nem por esse pagamento eu faria o que me propõe».
Odeio quem diga «eu, pessoalmente» como se se não quisesse ser confundido com quem diz «eu, falando colectivamente por toda a gente que não conheço». É como dizer «na minha opinião, eu acho que não me posso pronunciar sobre esse assunto que desconheço».
Pergunta-se a alguém se gosta de viver em Portugal e ele responde «nem por isso». Não é bem «não». É «não especialmente». «Especialmente» é tão irritante como «pessoalmente».
«Nasceste em Lisboa?», pergunto. «Nem por isso», respondem. Ainda mais irritantemente: «não especialmente».
Todas estas manobras, com o «nem por isso» à frente, são um assalto brutal sobre a limpeza e a verdade do simples "não". O "sim" e o "não" têm de ser protegidos. São palavras claras, curtas e lindas.
O «nem por isso» é a alforreca das respostas negativas. O que mais enfurece nela é a falta não-absoluta de significância.
in Público de 21/07/2014. Respeitou-se a grafia seguida pelo jornal português.