Eram sete da manhã em Osaka, Japão, quando encontrei o Francisco já à espera no hall do hotel. Vestia uma camisola leve e uma determinação silenciosa. O pequeno-almoço estava prometido, mas pouco lhe dizia, porque o que estava prestes a acontecer enchia-lhe o estômago de outro alimento: missão.
Hoje é dia 5 de maio de 2025, Dia Mundial da Língua Portuguesa. E foi o Francisco Vieira, 16 anos, nascido no seio do Bairro Portugal Novo, que representou, diante do mundo, o som do futuro. Com um poema na boca – “E a seguir?” –, ele não só subiu ao palco mais simbólico da Expo 2025 Japão, como também nos obrigou a descer à verdade que preferimos adiar.
A nossa Comissária Geral do Pavilhão de Portugal, Joana Cardoso, foi quem primeiro se inquietou. Percebeu, com o olhar de quem não aceita espelhos que só mostram um lado, que a imagem que Portugal levava ao mundo estava incompleta. Os artistas inicialmente convidados não representavam a pluralidade que hoje define o nosso país. Faltavam os corpos que falam português com outros sotaques, os rostos que nasceram da mistura, os batimentos que vêm das periferias e dos arquipélagos, dos quilombos e das moradias, das ilhas e dos becos onde a língua portuguesa dança coladeiras, morna, kuduro, fado e samba.
Foi essa urgência de reparar que levou à convocação do Francisco. Um adolescente, sim, mas também um cidadão-poeta, que ao dizer «e a seguir?» nos colocou diante da pergunta mais antiga e mais atual: o que queremos fazer com esta língua que nos une?
Durante séculos, a língua portuguesa foi uma imposição. Foi espada, foi cruz, foi silêncio. Hoje, é escolha. Hoje, mais de 290 milhões de pessoas a usam como língua do afeto, da luta, do reencontro. É a língua mais falada do hemisfério sul, a quarta mais falada do mundo e é, cada vez mais, o idioma da esperança.
Em 1543, foram os portugueses os primeiros europeus a chegar ao Japão. Trouxeram armas, evangelho e uma nova gramática. Foram apelidados de Namban-jin – os bárbaros do sul. Hoje, quase cinco séculos depois, voltamos ao Japão com outro propósito. Não viemos conquistar, viemos escutar. Viemos unir. Viemos dizer que o futuro não se escreve apenas com o que fomos, mas com tudo o que ainda podemos ser.
E foi esse futuro que se ouviu hoje, em Osaka, através da voz do Francisco. Ele não declamou. Ele incendiou. Trouxe à tona os rostos apagados, os silêncios adiados, as perguntas que doem. E quem teve ouvidos, sabe: hoje, Camões passou o testemunho. Hoje, a língua portuguesa foi ressignificada; não como património do passado, mas como território vivo de um mundo novo, onde cabemos todos.
E a seguir?
Seguimos com Francisco. Seguimos com os nossos. Seguimos com a língua do amor, que se fala ao sul – e se sente no coração.
Nu Bai.*
[* «Vamos» na língua crioula de Cabo-Verde]
Artigo do cantor e escritor Dino D'Santiago publicado em 5 de maio de 2025 no jornal digital Mensagem de Lisboa.