A expansão da língua portuguesa na generalidade dos países africanos que a têm como língua oficial tem-se feito à custa das demais línguas faladas nesses países. É isso que nos mostram os dados dos censos que vão surgindo. Não se trata de um fenómeno novo. É frequente a língua mais forte – entenda-se, a falada pelos mais poderosos – acabar por enfraquecer ou mesmo levar à extinção as línguas das comunidades com menos poder. A este fenómeno chama-se glotofagia e está sobejamente documentado*.
A glotofagia não é, porém, inevitável. Nos últimos anos, temos aprendido que a aplicação de políticas linguísticas adequadas pode atenuar significativamente o processo. Tais políticas passam pelo reconhecimento da importância das línguas mais frágeis, pelo reforço do seu valor simbólico, identitário. De acordo com os especialistas, elas demandam intervenções ao nível da definição do seu estatuto, da sua descrição e provisão com recursos linguísticos essenciais (recolhas, normalização da escrita, dicionários, gramáticas, entre outros) e, ainda, ao nível da programação do seu ensino.
Acredito que o crescimento da língua portuguesa não pode ser feito à custa das demais línguas faladas nestes países, mas em parceria com elas, florescendo todas em conjunto, respeitando-se assim a identidade e as especificidades dos vários povos que falam português e trazendo mais cor, inteligência e sabedoria a todos nós.
Compete ao Estado promover a gestão das línguas faladas no seu território. Se há crítica que se possa fazer às autoridades dos países africanos de língua oficial portuguesa, ela é precisamente a ausência de uma reflexão que tenha em conta não só a língua que nos une, mas também o multilinguismo que nos torna diversos.
A questão não é certamente alheia às preocupações do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que pode e deve contribuir para que essa reflexão seja feita, mas as decisões e ações concretas dependem, em última instância, dos governos nacionais.
* N.E. — Cf. Linguistica Y Colonialismo. Breve Tratado de Glotofagia + Lusofonia em Moçambique: com ou sem glotofagia?
Apontamento emitido no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 9 de agosto de 2020.