Em Portugal, está-se nos antípodas, por exemplo, dos EUA ou do Reino Unido – onde qualquer pessoa tem consagrado o direito a aceder a informação clara e concisa, de interesse público. «É o terreno ideal para [qualquer] político (...) fazer florescer a sua inventividade linguística, que ora lhe serve para fazer um pouco de demagogia, ora para esconder estragos.» In jornal Público de 10 de novembro de 2012, que a seguir se transcreve na íntegra.
No início dos anos 30, com mais notórias repercussões nas décadas de 50 e 60, assistiu-se à vulgarização nos EUA (e depois no mundo anglófono) da aplicação sistemática de princípios de simplificação textual (sobretudo pelo recurso a vocabulário de alta frequência, frases curtas, sem estruturas encaixadas, e voz ativa) de textos institucionais, didáticos e jornalísticos. Para a confirmação do grau de complexidade do texto, foram criadas fórmulas. Estas fórmulas realizavam uma avaliação quantitativa do texto, resultante numa pontuação, fundada, basicamente, na extensão da frase, em número de palavras, e na extensão da palavra, em número de sílabas, por frase. Procurava-se assim determinar o grau de facilidade de leitura que um dado texto oferecia ao público em geral. Partia-se do firme pressuposto de que qualquer pessoa tinha direito a aceder a informação clara e concisa.
Logo na década de 70, diversos estados americanos passaram a exigir – por lei – a observância das regras mensuráveis de uma escrita com baixo grau de dificuldade nos contratos das apólices do seguro automóvel, por exemplo. A partir daí, muitas instituições governamentais passaram a exigir que os textos por elas emanados apresentassem um elevado grau de simplicidade. A imprensa seguiu-lhe os passos e o discurso político foi-lhe no encalço.
Atualmente, temos o exemplo de organizações dedicadas a rastrear os discursos públicos, como a Plain Language Campaign, no Reino Unido, ou de comunidades de funcionários do Estado dedicados a aperfeiçoar (ou seja, a simplificar) textos produzidos por instâncias oficiais.
A situação em Portugal está nos antípodasi. O cidadão comum – e o incomum – não conseguem ler um contrato de uma operadora de telecomunicações e tremem quando recebem uma comunicação das Finanças. Em relação à legislação, a pessoa o que pode fazer é anotar a referência do decreto-lei e pagar a um advogado para que ele lho leia. Para pedir a certificação de um serviço, o cidadão não o pode fazer diretamente com o organismo do Estado, tem de recorrer a uma empresa especializada em ler e interpretar os documentos regulamentares.
Este obscurantismo é o terreno ideal para o político português fazer florescer a sua inventividade linguística, que ora lhe serve para fazer um pouco de demagogia, ora para esconder estragos. Foi o «acordo coligatório» de Helena Roseta e António Costa nas últimas autárquicas, era a «coligação negativa» e o «bota-abaixismo» de José Sócrates, é agora a «refundação» de Passos Coelho.
i Em Portugal, a manifestação de um movimento similar está reduzida a uma empresa, a Português Claro.
In jornal Público de 10 de novembro de 2012.