Réplica do autor a Vasco Graça Moura. Cf. Sobre o estudo relativo à influência do português.
Com uma celeridade digna de um pistoleiro dos westerns que encantaram a minha adolescência, o meu amigo Vasco Graça Moura [V.G.M.] reagiu a declarações que prestei ao Público, acerca de um estudo sobre internacionalização da Língua Portuguesa, estudo que, juntamente com outras pessoas, preparei e entreguei ao Governo. E nem se tratou de, primeiro, disparar para depois perguntar: foi logo disparada uma rajada de perguntas. Se bem contei, dezasseis perguntas, num texto tão breve como acerado. As perguntas não espantam e são até coerentes, particularmente quando se fala do que não sabe, ou seja, de um texto que não se conhece, o que é uma coisa bem extraordinária. Daí à confusão vai um passo muito curto, que não teria sido dado se, com mais serena pontaria, o tiro tivesse sido disparado de forma mais calculada. Bastaria que se tivesse pensado nisto: o texto composto por Luís Miguel Queirós regista algumas das minhas declarações e, naturalmente, parafraseia outras, ficando aquém, como é evidente, de análises, de fundamentos e de conclusões que, por agora, são reservadas. Talvez por isso, o jornalista foi prudente e não formulou angustiadas perplexidades.
Se bem percebi, a rápida leitura feita pelo meu ilustre amigo detectou uma contradição entre o que eu disse e o que é a ideia «tão cara» do Ministério da Cultura, acerca do «valor económico da língua portuguesa». Sobre esta ideia, em si mesma, pronunciar-se-á, se assim o entender, o MC. E embora seja justo reconhecer que quem disparou as perguntas estava mergulhado no desconhecimento de dados que não conhecia, entendo dever acrescentar ao que foi mal compreendido alguma coisa que talvez possa serenar espíritos inquietos. Isto: dizer, como afirmei, que «neste momento» é «um pouco uma miragem» querer fazer do português uma língua de negócios é coisa bem diferente de negar valor económico à língua. Confunde-se, pois, uma função da língua (servir para alguma coisa num certo contexto) com o alargado valor económico que ela pode ter (e tem), implicando componentes tão distintos como a edição em língua portuguesa, o ensino do português no estrangeiro, a presença do português na Internet, a produção de software educativo ou os circuitos de distribuição do livro. Uma parte (não tudo, como é óbvio) daquilo em que a língua portuguesa interessa às chamadas indústrias culturais, matéria sobre a qual há hoje não poucos estudos disponíveis e, tanto quanto sei, outros em preparação.
Como se vê, é isto bem diferente da miragem quixotesca que consiste em almejar a engraçada situação em que um homem de negócios japonês e outro alemão falariam, para se entender, em português. Provavelmente (provavelmente?) falam em inglês, num inglês talvez mascavado (não desejo isso para o português), mas suficiente, para o caso. Considerarão o cerimonioso japonês e o seu louro interlocutor alemão que as respectivas línguas maternas são «bugigangas menores» perante a hegemonia do inglês? Se bem entendi, é isso que, usando aquela tão sugestiva metáfora, V.G.M. teme.
Fico-me por aqui porque o tempo e o espaço não dão para mais — embora muito mais houvesse a dizer. Junto apenas o seguinte: nada de sustos. Se quem ficou aflito um dia ler o que eu escrevi, verá que tenho até uma posição de optimismo moderado quanto ao potencial do português, no que à sua afirmação internacional diz respeito. Um optimismo moderado, mas não enrodilhado no triunfalismo dos que pensam que basta sermos uns 230 milhões de falantes da língua portuguesa para que desde logo ela tenha pujança internacional. Tão excessivo como aquele triunfalismo só conheço o bafiento nacionalismo ortográfico dos derradeiros gauleses que gostariam de manter o português encerrado na aldeia remota em que ele nasceu.
in Público, 30 de Maio de 2008